sábado, 15 de novembro de 2014

Coração de vidro

      

      Dizem em tempos que sou magro. Eu nunca sei bem o que responder, isso porque eu o sei, sempre soube e porque não haveria de o lembrar agora? Sou esguio, e daí surge muitas das vezes o igual para com o elegante ou para algo escasso e curto. E aí ... será que sei?
      Sei que sou proveniente de uma industria de vidro, onde das suas paredes já nascem flores sem sementes e folhas sem troncos. Tudo pelo facto de encarar o meu sangue como água numa jarra. Sou o fruto sem nascença de ramos.
      Surgi e vivo, enquanto não partir, pois vidro.

    sexta-feira, 14 de novembro de 2014

    Ser-se uma flor


      Se, às vezes, digo que sou uma flor,
      Não é porque me julgo inteligível de tomar,
      Nem natural, elegante ou exímio.
      Sou uma flor só porque vivo
      Num campo com magnólias em cima de bronze.

      E, onde em pontos se ficam por colher,
      De minha vontade digo que era igual eu querer ser,
      Porque são felizes por terem um certo viver
      Que lhes mostra aquilo que em algo mais efémero não poderia dizer.

      E, se em nós há um arruinar, terá de ser por arrancar
      Aquela toda fantasia, que enfim,
      Não se faz num melhor julgamento o que digo ...
      Ora se vive e vê, ora se tira e cessa.

      terça-feira, 4 de novembro de 2014

      Fraquejar dos ossos


        Principia-se por ser dia,
        O escuro emerge vagamente,
        A ter com cor fria
        O que se mal ouve ou sente,
        Que de situações o sorriso sofria
        Das ideias à palavra divergente.
        Todo o Ilídio que sonharia,
        A nenhum destinatário, mas, remetente
        Sem pedido ou ordem, havia.

        Engenho, de quem não sou, que inventei
        Aquilo quem nunca fui ...
        Que num provável nunca serei.
        Deste modo, habita-se a alma aqui,
        E o interior, que eu haverei
        De fazer os ossos que mui
        Me fraguejam e tornaram, algo que doerei
        Àquele fiel que persegui
        À agonia da qual malquerei!

        É da alma! A alma que tenho
        E de que tanto ter
        Já sem ela ... nem sei viver.

        domingo, 2 de novembro de 2014

        Naufrágio pelo velar


          Barco naufragado
          porque te levaste avante?

          Ó mar salgado, que raio abraçado
          em morte e escuridão fora doravante?

          Não colheis o fruto que erra
          Em alto mar, mas bóia.
          Não feito da pedra que afundeis,
          Pássaro antes que voa e pousa.

          A um infinito céu, defronte,
          Navega a solidão
          E como o fim do horizonte
          Fosse o princípio de emancipação.

          Com ou sem remos
          Razão a que chamais errar
          Não me erre em pensar
          Nem me falhe, mas Deus ...

          Sem ou com cascos
          Perdão sem partir de quem chamo enganar
          Que o que se me habita entristece
          Digo antes que me fortalece.

          De naufrágio que já de meio,
          fora rejuvenescido.